A NOITE DESCE...

 

 

Como pálpebras roxas que tombassem

Sobre uns olhos cansados, carinhosas,

A noite desce... Ah, doces mãos piedosas

Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

 

Assim mãos de bondade me embalassem!

Assim me adormecessem, caridosas,

E em braçadas de lírios e mimosas,

No crepúsculo que desce me enterrassem!

 

A noite em sombra e fumo se desfaz...

Perfume de baunilha ou de lilás,

A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...

Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma

Beijando nesta hora a minha boca!

 

"FLORBELA ESPANCA"

 

 

 

DA MINHA JANELA

 

 

Mar alto! Ondas quebradas e vencidas

num soluçar aflito e murmurado...

Voo de gaivotas, leve, imaculado,

Como neves nos píncaros nascidas!

 

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,

Batendo ainda num arfar pausado...

Ó meu doce poente torturado

Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

 

Meu verso de Samain cheio de graça,

Inda não és clarão já és luar

Como um branco lilás que se desfaça!

 

Amor! Teu coração trago-o no peito...

Pulsa dentro de mim como este mar

Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...

 

 

FANATISMO

 

 

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer razão do meu viver,

Pois que  tu és já toda a minha vida!

 

Não vejo nada assim enlouquecida...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misteriorso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida!

 

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!

 

E, olhos postos em ti, digo de rastros:

"Ah, podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: Princípio e Fim..."

 

 

"FLORBELA ESPANCA"